Na casa de dois cômodos no Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo, em que moram cinco pessoas, três dos quatro adultos estão desempregados, reduzindo a renda por pessoa na família. Mãe de um bebê de 2 anos, a auxiliar de limpeza Rubia Santos, de 41 anos, é a única que tem um salário.
“Meu marido trabalhava como segurança e perdeu o emprego. Meu filho, de 19 anos, e minha filha, de 22, também estão desempregados. Consegui um emprego para ganhar R$ 1.250, mas mal dá para pagar aluguel, luz, contas e comprar comida”, lamenta Rubia.
Ela tentou, mas não conseguiu ingressar no Bolsa Família, que será substituído neste mês pelo Auxílio Brasil. Com o novo programa social, que o governo promete ser uma versão ampliada do anterior, também chega ao fim o auxílio emergencial.
Com isso, lares como o de Rubia, que não se enquadram nos critérios do programa de renda mínima, ficarão também sem o benefício criado para aplacar os efeitos econômicos da pandemia, que ainda não desapareceram.
Como cerca de 39 milhões receberam em outubro a última parcela do auxílio em outubro e o Auxílio Brasil deve contemplar 17 milhões de famílias com repasses mensais de no mínimo R$ 400, pelo menos 22 milhões ficarão sem ajuda do governo.
Fila para cadastro
Muitas dessas pessoas temem futuro, como Maria Eduarda Santos, mãe solo de uma menina de 2 anos, que recebeu este ano R$ 150 por mês do auxílio emergencial.
— Com R$ 150, eu conseguia comprar o leite da minha filha e ajudar na despesa da casa, mas agora não sei como vai ser, porque não estou inscrita no CadÚnico (cadastro de programas sociais do governo federal) e não consigo agendamento — diz Eduarda.
O fim do auxílio deixa dois tipos de órfãos: quem não está inscrito no CadÚnico por não se encaixar nos requisitos do Bolsa Família e quem teria direito a receber renda mínima, mas está na “fila” do cadastro ou nem conseguiu pedir o cadastramento.
O governo limitou o acesso do Auxílio Brasil aos inscritos no CadÚnico, que já tinha uma fila de 1,2 milhão de pessoas. A União manteve por mais 120 dias a partir de outubro a suspensão de adição de novos cadastrados. Fora do banco de dados federal, milhares de brasileiros podem não ser contemplados pelo Auxílio Brasil.
Mãe de seis filhos, Gizelia de Oliveira Sebastião, de 40 anos, moradora de Realengo, na Zona Oeste do Rio, aguarda desde setembro do ano passado o resultado da averiguação que suspendeu o pagamento do seu auxílio emergencial.
Foi informada que o dinheiro está na conta do Caixa Tem, mas ela não pode sacar. Gizelia conta que recebeu o Auxílio Emergencial de R$ 1.200, pago a mães solo, e que agora está recebendo o auxílio de R$ 375.
Esse dinheiro que está em averiguação está me fazendo muita falta. São quatro parcelas atrasadas e até hoje não consegui nem contestar”, lamenta.
Espera longa
A auxiliar de serviços gerais Maria da Silva, de 32 anos, moradora da Muzema, na Zona Oeste do Rio teve seu auxílio emergencial suspenso porque arrumou um emprego, que durou apenas três meses. Mãe solo de uma menina de 2 anos, ela não conseguiu voltar à folha de pagamentos do auxílio e agora espera a volta ao CadÚnico sem saber se conseguirá receber o Auxílio Brasil:
“Estou desde maio dependendo da solidariedade das pessoas.”
Maria recorreu à Rede Brasileira de Renda Básica para tentar receber as parcelas do auxílio emergencial que foram bloqueadas. Paola Carvalho, que atua na organização, observa que a análise para desligar o beneficiário é muito rápida, mas para reabilitar o acesso a espera é longa. Muitas famílias vulneráveis aguardam uma resposta desde o ano passado.
Indiara dos Santos, de 22 anos, mãe solo de duas meninas de 2 e 4 anos, moradora de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, recebeu até outubro o auxílio emergencial de R$ 375. Antes, sacava R$ 269 referentes ao Bolsa Família. Hoje, tem dúvida se será incluída no Auxílio Brasil de R$ 400:
“Vai ser automático ou a gente precisa fazer algum cadastro? Vai ser na mesma conta que recebemos o auxílio emergencial ou vão abrir outra? Quando vai começar a valer? O governo anuncia, mas não explica como vai ser. Estamos com medo de não receber nada”
Sem trabalho fixo, ela conta que a ajuda do governo não dá para quase nada:
“Mal compro o leite e as fraldas das crianças. Antes da pandemia, eu trabalhava no sinal vendendo balas. Agora, faço uns bicos, como tranças de cabelo. Dá para ir segurando as despesas, mas, muitas vezes, as coisas de casa acabam. Fico contando os dias para receber o auxílio e poder comprar o leite das minhas meninas.”
Perda do benefício em 2020
Thamires Dias, de 26 anos, também moradora de Santa Cruz, no Rio, cria sozinha seis filhos, mas só recebe o Bolsa Família referente a quatro deles. Ela conta que recebeu o auxílio emergencial apenas na primeira rodada de pagamentos, em 2020, quando a parcela mensal chegou a R$ 1.200 para mães solo. Acabou fora da extensão do benefício este ano.
“No ano passado, cheguei a receber salário-maternidade e por isso fiquei de fora do auxílio emergencial. Passei a receber somente o Bolsa Família, de R$ 358, que não foi alterado mesmo depois que tive um bebê e informei ao programa.”
Rafaela de Sousa Silva, de 22 anos, sem filhos, moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, perdeu o emprego de caixa de supermercado em 2019. De lá para cá, tem encontrado dificuldade para conseguir uma nova ocupação formal e também para receber o auxílio emergência:
“Meu auxílio foi bloqueado em julho deste ano, porque o governo alega que eu tenho uma renda (individual) acima de meio salário mínimo (R$ 550). Como pode, se não tenho emprego?.”
Ela conta que procurou a Caixa Econômica Federal para saber sobre o bloqueio e foi orientada a procurar o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) da região onde mora. Assim o fez. Mas foi informada de que não estava inscrita no CadÚnico. Em 30 de agosto, o cadastro foi realizado.
“Fizeram minha inscrição na hora, e mesmo assim o auxílio emergencial não foi liberado. Agora, para receber o Auxílio Brasil, é preciso estar inscrita no CadÚnico, mas meu nome continua fora do cadastro, mesmo tendo sido feito no CRAS – lamenta Rafaela, que por falta de inscrição não conseguiu sequer receber o auxílio SuperaRJ, pago pelo governo estadual aos que perderam renda durante a pandemia.”
Juliete Fernandes dos Santos Freitas, de 31 anos, moradora de Realengo, na Zona Oeste do Rio, tem inscrição no Cadastro Único do governo federal. Mas, apesar de ter ficado desempregada, não recebeu o auxílio emergencial de 2021. Teve direito apenas às parcelas de 2020, mesmo assim, com atraso, conta:
“Tenho dois meninos: um de 6 anos e outro de 2. Eu recebia o Bolsa Família, mas não recebo mais e tive que refazer minha inscrição no CadÚnico.”
Ela explica que deu entrada no auxílio emergencial de 2020 e chegou a receber quatro parcelas, sendo bloqueada na quinta. A alegação do Ministério da Cidadania foi o recebimento de um benefício assistencial do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que a jovem nega.
A quinta parcela Juliete sacou apenas em 2021. Já a extensão do benefício de R$ 300, paga de setembro a dezembro de 2020, nunca foi liberada. Do auxílio emergencial deste ano, que variou de R$ 150 a R$ 375, a jovem mãe também não viu a cor do dinheiro. A expectativa dela agora é de que, inscrita no CadÚnico, consiga receber o Auxílio Brasil de R$ 400.
Mesmo com a suspensão do cadastro, as prefeituras — responsáveis pelos cadastros de novos beneficiários — estão recebendo inscrições da população elegível ao Auxílio Brasil. Para isso é preciso procurar o Conselho Regional de Assistência Social (CRAS) do município.
“A lista de espera do Bolsa Família estava em 1,2 milhão de famílias antes mesmo das mazelas da pandemia de coronavírus. O governo reduziu o orçamento da assistência social, diminui a possibilidade de cadastramento das famílias e não criou uma migração do aplicativo do auxílio emergencial para o Cadastro Único, como sempre recomendamos. Agora, ao acabar o auxilio emergencial, milhões de famílias ficarão desassistidas e invisíveis novamente”, avalia Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.
Paola chama atenção para uma observação que o governo fez no início da pandemia:
“O próprio governo dizia estar surpreso com a quantidade de famílias vulneráveis que se inscreveram para receber o auxilio emergencial. A todo momento afirmavam estarem surpresos porque essas pessoas estavam invisíveis aos olhos do Estado, pois agora querem apagar novamente essas pessoas. Pelo menos 22 milhões de pessoas estarão fora de qualquer política de proteção social à partir de novembro de 2021 e sem nenhuma perspectiva. Chegaremos ao pior quadro que já vivemos.”
O que diz o governo
Procurado, o Ministério da Cidadania informou que o programa Auxílio Brasil vai entrar em vigor em novembro e que “a operacionalização do Auxílio Brasil será regulamentada por meio de decreto a ser publicado nos próximos dias” e que o calendário de novembro está mantido.
Segundo o ministério, o programa “vai estabelecer critérios para o fortalecimento e ampliação da rede de proteção social, além de criar oportunidades de emancipação para a população em situação de vulnerabilidade”.
Ainda conforme a pasta, “esse trabalho leva em conta uma série de programas já existentes, não só o Programa Bolsa Família (PBF), com medidas que vão atingir, com maior eficácia, a missão de superar a pobreza e minimizar os efeitos da desigualdade socioeconômica no país”.
A pasta explica que serão atendidas famílias em situação de extrema pobreza e famílias em situação de pobreza. O novo programa também vai reajustar em cerca de 20% os valores dos benefícios pagos atualmente pelo PBF.
Também será concedido um complemento para assegurar a cada família um benefício de pelo menos R$ 400 até o fim de 2022. O objetivo é ampliar a renda das famílias em situação de vulnerabilidade diante do cenário de crise social em decorrência da pandemia.
Um ponto importante a destacar: o programa terá três benefícios básicos que podem ser cumulativamente: benefício primeira infância, composição familiar e superação da extrema pobreza.
“Os três benefícios básicos podem ser pagos cumulativamente às famílias beneficiárias. Os benefícios Primeira Infância e Composição Familiar são pagos até o limite de cinco benefícios por família”, explicou o ministério
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