Pedido será protocolado no início da semana no Ministério da Saúde pelo grupo responsável por elaborar as diretrizes
Porto Velho, RO - Integrantes da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) e especialistas responsáveis pela elaboração das orientações hospitalares e ambulatoriais para tratar pacientes com Covid-19 se movimentam na tentativa de reverter a decisão que barrou a incorporação das diretrizes no SUS (Sistema Único de Saúde). O pedido de revisão deve ser protocolado no início desta semana e dá o prazo de cinco dias para que o Ministério da Saúde acate ou não o recurso.
Quem lidera a formulação da solicitação é o médico Carlos Carvalho, que comandou os estudos aprovados pela Conitec. Ao R7, ele adiantou que o documento será enviado não só para o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti, responsável por rejeitar as diretrizes. O ministro Marcelo Queiroga também receberá uma cópia, podendo antecipar uma decisão final por parte da pasta.
Junto com outros pesquisadores e médicos que participaram da elaboração das diretrizes, Carvalho debruçou-se sobre as justificativas dadas por Angotti na nota técnica que barrou os documentos aprovados pela Conitec. O grupo de trabalho sustenta que não houve interferência política e ideológica na decisão técnica da comissão em deliberar e dar aval aos estudos, ao contrário do que alegou o secretário.
"Nós que estamos sendo acusados de incompetência, de não termos sido éticos, de termos conflitos de interesses, de termos feito um estudo inadequado com viés de seleção dos artigos científicos, que tivemos falhas metodológicas na elaboração dos documentos. Nós vamos contrapor essas coisas e devolver ao secretário e vamos mandar uma cópia ao ministro", afirmou Carvalho.
Angotti argumentou, na nota técnica, que as decisões da Conitec sobre o tema foram tomadas em um contexto político, marcado por "inadequações, fragilidades e riscos éticos". "Houve intenso escrutínio e assédio político, inédito no âmbito da Conitec e eivado de algumas incompreensões quanto ao papel institucional dessa instância de assessoramento".
Outra justificativa dada pelo secretário à imprensa foi a de que os relatórios não tinham como ponto central indicar fármacos e que, por isso, desconfigurariam o objetivo de uma diretriz ambulatorial e hospitalar. "Diretrizes terapêuticas normalmente envolvem uma linha de cuidado, critérios diagnósticos, seguimento do paciente, indicação de fármaco, monitoramento após o tratamento com esse fármaco e essas diretrizes não contemplam em específico todos esses detalhes", declarou.
De fato, os textos, em sua maioria, traziam contraindicação de medicamentos, em especial todos os incorporados ao apelidado kit Covid, como a azitromicina, hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, anticoagulantes e plasma convalescente. Diferentemente do argumento trazido pelo secretário, entretanto, Carvalho sustenta que "uma diretriz pode muito bem e deve dizer o que não pode ser feito".
A diretriz é um norte, uma orientação para que o profissional da ponta tenha um indicativo mínimo do que ele pode ou não fazer. Isso de que uma diretriz que não diz nome de remédio não é uma diretriz é uma enorme asneira, bobagem. Só porque não tem remédio, então eu vou dar vitamina C para todo mundo porque pode não fazer mal? Ou vou dar cloroquina porque pode ser que seja segura, só para dizer ao paciente que estou fazendo alguma coisa? Isso não tem base científica nenhuma "CARLOS CARVALHO, MÉDICO"
Ao rejeitar os relatórios da Conitec, fica em aberto a recomendação do uso de medicamentos para tratar pacientes com Covid-19 mesmo sem que eles tenham eficácia comprovada. A Conitec contraindicava o uso de tais fármacos, justamente por não terem benefícios comprovados. A falsa sensação de segurança trazida com o uso dos medicamentos era argumento sustentado pelos membros da comissão.
Reivindicações
Os órgãos que formam a Conitec — comissão integrada ao próprio organograma do Ministério da Saúde e responsável por incorporar produtos e medicamentos ao SUS — vieram a público demandar a reconsideração das diretrizes, sob a alegação de que as medidas são essenciais no enfrentamento à pandemia. O Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) entregaram, na última reunião tripartite, um ofício conjunto ao ministro Marcelo Queiroga solicitando a "tempestiva publicação" das orientações.
"As Diretrizes Brasileiras para Tratamento do Paciente com Covid-19 (hospitalar e ambulatorial) precisam ser adotadas com urgência pelo Ministério da Saúde, e empregadas pelos gestores do SUS para orientar seus profissionais e organizar os serviços de acordo com as melhores práticas e tratamentos, com base no melhor conhecimento científico em benefício da saúde da população brasileira", defendem o Conass e Conasems.
Na avaliação do presidente do Conass, Carlos Lula, o Ministério da Saúde se coloca contra a evidência da ciência ao tomar decisões baseadas em "conveniências políticas". "De algum modo, está autorizando que qualquer profissional de saúde possa se colocar contra as evidências da ciência. E aí, o que temos é o caos", lamentou.
O CNS (Conselho Nacional de Saúde) também defende a reversão da decisão da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos. Ao R7, o presidente do órgão, Fernando Pigatto, contou que sugeriu aos membros do conselho que integram a Conitec que buscassem, junto ao restante da composição, uma reunião para dialogar sobre a decisão da secretaria e elaborarem uma estratégia conjunta. A próxima reunião da comissão está agendada para 9 de fevereiro.
A avaliação a ser levada pelo CNS é a de que é necessário retomar o debate para garantir a implementação das diretrizes e reafirmar a força e autoridade da Conitec. "O próprio ministro, quando foi questionado na CPI da Covid sobre a utilização de medicamentos sem eficácia, ressaltou que o tema estava sob análise da Conitec, dando o respaldo à comissão para encaminhar as diretrizes. Estranhamente, um secretário com posição reconhecidamente negacionista rejeita a análise científica e técnica", lamentou Pigatto, completando que espera, por parte de Queiroga, uma reconsideração.
Todas essas manifestações públicas servirão para embasar o pedido de revisão liderado por Carvalho. Um abaixo-assinado com mais de 80 mil adesões também será incorporado ao pedido. A petição — feita por Carvalho, professores da Faculdade de Medicina da USP e de outras instituições, além de profissionais e pesquisadores da área — visa a que o Ministério da Saúde reconsidere os relatórios aprovados pela Conitec e estende a demanda para que Senado, Ministério Público e STF (Supremo Tribunal Federal) atuem no caso.
Impasse político
Queiroga assumiu a pasta em meio à polêmica sobre o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar Covid e com a promessa de dar resposta ao impasse, mas o tema se arrastou durante a gestão. Uma das válvulas de escape do ministro foi direcionar à Conitec a responsabilidade de decidir sobre as indicações de uso de fármacos do kit Covid.
Nas oitivas da CPI da Covid, por exemplo, o cardiologista trouxe à baila o papel da comissão. "Esses medicamentos [hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina] não têm eficácia comprovada. Esse assunto é motivo de discussão na Conitec, que vai elaborar diretriz terapêutica", disse, em depoimento aos senadores, em junho de 2021.
A deliberação por parte da Conitec sobre os relatórios sugerindo as diretrizes chegou a ser adiada, sob a justificativa oficial do Ministério da Saúde de que a análise carecia de aprimoramentos. A especulação, no entanto, era de que tenha havido pressão vinda diretamente do presidente Jair Bolsonaro, que propagandeou o uso de cloroquina durante a pandemia e defendeu o "tratamento precoce".
Agora, o momento de dar o veredito torna-se iminente, o que coloca o ministro sob forte pressão política. Nesta semana, ele foi convocado a comparecer no Planalto, adiando a agenda para conversar com o presidente. Fontes ligadas ao governo afirmam que há uma insatisfação do mandatário com as declarações públicas de Queiroga sobre as diretrizes.
Uma alternativa que pode livrar o ministro é que o próprio secretário Angotti reverta a decisão de barrar as diretrizes, o que, por outro lado, colocaria em xeque o nome do próprio indicado por Bolsonaro. De qualquer maneira, cabe a Queiroga a decisão final. Como ele mesmo afirmou a jornalistas na quinta (27), "eu sou a autoridade sanitária principal desse país".
Fonte: R7
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