PORTO VELHO, RO - O corretor de imóveis Pavlo Kaliuk, 34, trabalhava na capital ucraniana comprando e vendendo imóveis a clientes dos Estados Unidos, da França, da Alemanha e de Israel. Mas em novembro, quando a Rússia começou a posicionar tropas ao longo da fronteira do país, seus negócios pararam.
"Quase todos os negócios envolvendo apartamentos de médio ou alto padrão em Kiev estão suspensos, porque não sabemos como será o dia de amanhã", diz.
A Ucrânia vive um conflito com a Rússia desde 2014 e agora está de novo sob clima de medo. Os EUA estimam que 190 mil tropas russas e de separatistas apoiados por Moscou estão posicionadas em volta do país e dentro dos territórios controlados pelos rebeldes. O presidente Joe Biden diz que uma invasão ou ataque pode ocorrer a qualquer momento.
Pessoas observam o pôr do sol em Odessa, na Ucrânia - Brendan Hoffman/The New York Times
Sem chegar a declarar guerra abertamente ou adotar uma ação que desencadeie as sanções fortes prometidas pelo Ocidente, o presidente Vladimir Putin conseguiu mais uma vez desestabilizar a Ucrânia e deixar claro que a Rússia tem o poder de devastar a economia do país.
A orientação para que cidadãos americanos, britânicos e canadenses deixassem o país, na semana passada, gerou pânico. Várias companhias aéreas internacionais suspenderam seus voos. Exercícios navais russos no mar Negro expuseram a vulnerabilidade dos portos ucranianos cruciais para o transporte de mercadorias. E o que dizer do setor imobiliário?
"O número de pedidos diminui a cada dia que passa", diz Kaliuk.
O clima de ansiedade que tomou conta de Kiev é exatamente o que Putin deseja, segundo Pavlo Kukhta, assessor do ministro da Energia ucraniano. "O que os russos querem conseguir é o equivalente a vencer a guerra sem fazer um único disparo. Para isso, pretendem provocar pânico em massa nesse país", afirma.
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Timofiy Mylovanov, presidente da Escola de Economia de Kiev e ex-ministro do Desenvolvimento Econômico, disse que sua instituição estima que a crise já tenha custado "vários bilhões de dólares" à Ucrânia apenas nas últimas semanas. Uma guerra ou um cerco prolongado só agravaria essa situação. "Ou teremos uma invasão ou nossa economia será atingida."
O primeiro golpe ocorreu na segunda-feira passada (14), quando duas companhias aéreas ucranianas disseram que não conseguiram seguros para seus voos. O governo ucraniano foi obrigado a criar um fundo de US$ 592 milhões para manter os aviões voando. Em 11 de fevereiro, seguradoras sediadas em Londres tinham avisado companhias que não poderiam mais contratar apólices para voos com destino ao país ou que sobrevoassem seu território.
A KLM respondeu dizendo que suspenderia seus voos para a Ucrânia. Muitos passageiros holandeses estavam a bordo do voo MH17 da Malaysia Airlines quando o avião foi derrubado em 2014 sobre território controlado por rebeldes pró-Moscou. A alemã Lufthansa anunciou que estuda uma possível suspensão.
Na terça-feira (15) a Ucrânia sofreu um ciberataque. Hackers invadiram os servidores, sobrecarregando-os e obrigando-os a suspender suas operações. Autoridades atribuíram o episódio à Rússia, mas o Kremlin negou envolvimento. Mesmo assim, Kiev disse que foi o maior ataque distribuído de negação de serviço na história do país e que teve como alvo ministérios e bancos estatais.
"Querem provocar uma corrida aos bancos", diz Kukhta. "A guerra é um híbrido que os russos estão travando em várias áreas, incluindo a economia."
No início da semana, Irina Gorovaia e outros empresários organizaram a campanha "Permaneça em Kiev", que visa mobilizar a população em apoio a empreendimentos locais prejudicados pela instabilidade econômica. CEO da agência Mozgi Group, Gorovaia disse que festivais e outros eventos vêm perdendo dinheiro rapidamente, porque o clima de incerteza está desencorajando a compra de ingressos. "As pessoas estão sentadas em casa, pensando no que pode acontecer amanhã."
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Na costa sul da Ucrânia, a chegada da Marinha russa para realizar exercícios no mar Negro foi mais um fator a evidenciar a vulnerabilidade militar e econômica do país, na medida em que, no caso de uma guerra, portos cruciais podem enfrentar bloqueios. Até agora Moscou está deixando um corredor aberto para o transporte de mercadorias, e não têm ocorrido problemas nas operações ucranianas.
"Mas não temos garantia de nada", diz Alexander Mukhin, que trabalha no escritório de desenvolvimento do porto de Mikolaiv. O terminal de Odessa, maior de petróleo e gás do país e importante centro de exportações de grãos, também é considerado um alvo possível —especialmente em vista do apoio grande manifestado na cidade aos separatistas em 2014. Analistas militares avaliam que, se ocorrer uma invasão, a Rússia pode tentar tomar Odessa.
Mesmo sem um ataque ou bloqueio total, os portos ainda podem ser fortemente prejudicados pelo medo de risco entre as seguradoras. Na semana passada o mercado londrino classificou as águas da Rússia e da Ucrânia no mar Negro e no mar de Azov como de alto risco, o que eleva o custo do transporte de mercadorias e aumenta a pressão econômica sobre a Ucrânia.
Terminal marítmo em Odessa, na Ucrânia - Brendan Hoffman/The New York Times
General aposentado do Exército americano, Ben Hodges recentemente comparou as forças terrestres e navais russas que estão cercando a Ucrânia a "uma jiboia, sufocando sua economia e ameaçando sua soberania ainda mais". Hodges escreveu que o Kremlin visa "converter a Ucrânia num Estado falido, algo que ele acredita que pode conseguir com a aplicação de pressão constante, sem chegar a de fato lançar uma ofensiva nova".
Mas a resposta dos EUA também enfurece algumas pessoas, seja por criar pânico com avisos alarmistas sobre uma invasão iminente, seja com a decisão de retirar funcionários da embaixada em Kiev.
"Quando alguém decide deslocar a embaixada para Lviv, precisa entender que essa notícia vai custar várias centenas de milhões de dólares à economia ucraniana", disse David Arakhamia, líder do partido governista Servo do Povo. "A cada dia contabilizamos as perdas da economia. Não podemos contrair empréstimos lá fora porque as taxas são absurdas. Exportadores nos rejeitam."
A previsão de crescimento da economia ucraniana era de quase 4% neste ano, mas a crise reduziu a cifra a quase metade —até aqui.
Mesmo assim, investidores veem a Ucrânia mais bem preparada economicamente do que em 2014. Suas reservas de divisas estão no mais alto nível histórico, e o país em grande medida desligou sua economia da Rússia (excetuando as importações de óleo e carvão metalúrgico para a indústria siderúrgica).
A Ucrânia também se prepara para se separar da grade energética russa, segundo Kukhta, e a assistência financeira da União Europeia e dos EUA está ajudando a tranquilizar os investidores e as seguradoras apreensivas. "Estamos vivendo há oito anos em condições pouco estáveis", diz o corretor Kaliuk. "Já me acostumei com isso."
Fonte: Folha de São Paulo
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