'Vivi para contar': ‘Mataram meu filho aqui como matam em meu país’

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'Vivi para contar': ‘Mataram meu filho aqui como matam em meu país’

Mãe do jovem congolês espancado em quiosque na Barra, onde trabalhava, quer justiça e pede ajuda

Porto Velho, RO - 
Morávamos em uma região da República Democrática do Congo onde fica a guerra. Uma guerra tribal civil entre os hema e os lendu. Somos Hema. Tudo começou quando meus filhos mais velhos estavam pequenininhos. Essa guerra étnica tinha disputas toda semana.

Não sei como começou. Essas duas tribos, até hoje, são problemáticas. Nessa guerra, eles mataram a minha mãe, meus parentes, toda a minha família. Continuam até hoje, e todo dia tem mortes. Ela ainda dura no Congo. O pai dele e muitos parentes desapareceram por conta dessa disputa. Na minha cabeça, eu tinha que fugir para o Brasil para ficar calma.

Viemos para cá em 2014. Meus filhos começaram a estudar. Eles chegaram aqui pequenos. O Moïse (Mugenyi Kabagambe) chegou aqui com 11 anos, em 15 de fevereiro de 2011. Ele veio primeiro. Nesses anos todos, o meu filho virou um brasileiro. Tudo dele era do Brasil. Ele sabia como trabalhar no Brasil, fez muitos amigos.

A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais. Moïse trabalhou nessa barraca antes da pandemia e durante a pandemia. Conhecia todos lá do local. Eles conheciam o meu filho e tiraram a vida dele. Se houve algum problema, eles não poderiam matá-lo. Moïse conhecia tudo na praia. Quando queriam alguma coisa, eles chamavam: “Angolano, angolano”.

Naquele dia, o Moïse saiu de casa para trabalhar e disse que pegaria o dinheiro. No domingo, ele havia dito para um amigo que pegaria o dinheiro que ele fez em dois dias, para comprar algumas coisas para beber com os amigos dele. Eu acho que seriam cervejas, algo do tipo. Acho que ele foi reclamar, e bateram nele. Cinco pessoas bateram nele.
Ajuda no aluguel

Na segunda-feira (dia 24), ela foi cedo para o quiosque com um amigo dele que também trabalha lá. Moïse vinha reclamando com esse amigo da situação. Dizia que eles estavam fazendo sacanagem com ele.

Ele era trabalhador e muito honesto. Ganhava pouco, mas era dele. No final, chegava com parte do dinheiro e me dava para ajudar a pagar o aluguel. E reclamava, dizendo que ganhava menos que os colegas.

Às 7h da terça-feira, o meu filho me ligou e disse: “Oi, mãe, o Moïse?”. Depois, outra chamada perguntando se ele tinha chegado. E eu disse que não. Eu perguntei o que tinha acontecido, e eles disseram que era para eu ter calma.

O meu outro filho chora. Em nenhum momento, eu tinha pensado que o meu filho estava morto. Pensava num acidente ou algo parecido. Às 11h, um africano me ligou e disse que o Moïse havia falecido e estava no IML (Instituto Médico-Legal, no Centro do Rio).

Que vergonha! Meu filho que amava o Brasil. Por que eles mataram o meu filho? Moïse tinha todos os amigos brasileiros. Aí vêm os brasileiros e matam o meu filho.

Olha a foto do meu filho, meu bebezinho. Era um menino bom. Era um menino bom. Era um menino bom. Eles quebraram o meu filho. Bateram nas costas, no rosto. Ó, meu Deus. Ele não merecia isso. Eles pegaram uma linha (uma corda), colocaram o meu filho no chão, o puxaram com uma corda. Por quê? Por que ele era pretinho? Negro? Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano.

A gente vem para cá achando que todo mundo vai viver junto. Que é todo mundo igual, mas não. Eu só quero justiça. E peço: por favor, me ajudem. Eu não tenho nada. Não tenho parente nenhum aqui. Eu não sei o que vai acontecer. Não sei aonde vamos parar.
‘Dor terrível’

Queremos processá-los para que isso não aconteça com outra pessoa. Eles não tinham o direito de fazer isso com o meu filho. Espero que esse caso não caia no esquecimento, como tudo cai. Quando meu povo, no Congo, soube, eles fizeram um protesto. Eles gritaram contra isso.

A todo tempo recebo mensagens de lá. A todo instante, revivo essa dor terrível que foi a partida do meu filho. Se eu saio lá fora, eu vejo o Moïse. Tudo no Brasil me lembra dele. Ele estava novinho. Havia acabado de fazer 24 anos. Ele só queria viver como todo mundo.

Não podem matar as pessoas assim. Eles quebraram as costas do meu filho, quebraram o pescoço. Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país. Mataram o meu filho a socos, pontapés. Mataram ele como um bicho.

Eu vi na televisão que, aqui no Brasil, se um cachorro morrer, há várias manifestações. Então, eu quero que todo mundo me ajude com justiça. Eu não sei mais como será a minha vida. Por favor, me ajudem.

Fonte: O Globo

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