Dados são do Ministério da Economia; esta é a primeira vez que o Executivo vê suas futuras perdas chegarem neste patamar
Porto Velho, RO - As futuras perdas prováveis de causas do governo federal na Justiça ultrapassou pela primeira vez a cifra do trilhão. Dados do próprio Ministério da Economia mostram um impacto de R$ 1 trilhão nas contas públicas em razão de futuras derrotas em ações que podem elevar despesas ou frustrar receitas.
Esta é a primeira vez que o Executivo vê suas futuras perdas chegarem neste patamar. No balanço publicado no ano passado, referente ao ano de 2020, o governo previa perdas de R$ 769 bilhões. Em 2019, o valor era R$ 681 bilhões e, em 2018, R$ 169 bilhões.
Os processos são classificados pelo governo em duas categorias: perda provável e possível. Eles envolvem tanto casos com potencial para resultar em pagamentos diretos pela União, os precatórios, quanto processos nos quais o governo não terá despesas diretas em caso de perda, mas que terão impacto na arrecadação futura projetada. Isso acontece, por exemplo, quando o governo não pode mais cobrar determinado imposto.
Um processo é classificado como perda provável quando abrange ações nas quais já houve alguma decisão colegiada desfavorável à União no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Guedes fala em "meteoro"
No ano passado, o ministro Paulo Guedes (Economia) classificou o montante como um “meteoro” e alegou existir uma “indústria de precatórios” no país. Com uma previsão de pagamento de R$ 89 bilhões para pagamentos de precatórios, o que em um primeiro momento inviabilizou a ampliação do Bolsa Família, o governo conseguiu, então, aprovar junto ao congresso uma PEC que reduziu o valor dessa despesa para cerca de R$ 45 bilhões, estabelecendo um teto anual. O valor para pagamento de precatórios em 2023 será apurado no meio do ano e, em face do expressivo aumento, é aguardado com expectativas.
O Balanço Geral da União (BGU) publicado esta semana informa que a maior parte das ações com futuras perdas são administradas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão jurídico do Ministério da Economia, responsável por defender teses do governo nos tribunais, principalmente as tributárias.
Do R$ 1 trilhão futuro que a União prevê perder na Justiça, mais da metade se refere ao julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins. O processo foi classificado como “tese do século” devido ao impacto tanto para o governo, que deixaria de arrecadar cifras bilionárias, quanto para as empresas, que por sua vez pagariam menos impostos.
Em 2020, a Receita Federal estimava que o impacto para este processo seria de R$ 258,3 bilhões para as contas públicas. Agora, o impacto para o fisco é de R$ 533 bilhões.
O governo também aponta uma perda de R$ 132 bilhões em relação a precatórios que os Estados e municípios têm a receber da União relativos a decisões que envolveram o Fundef (fundo voltado à educação). Outro processo de impacto agora considerado é a decisão do Supremo que determinou a inclusão de um programa de renda mínima no orçamento da União, com impacto de R$ 54 bilhões.
"Preocupação muito grande"
O subsecretário de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional, Heriberto Henrique Vilela do Nascimento, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast que os números apurados pelo órgão preocupam, o que exige uma melhor fiscalização e acompanhamento por parte do governo, principalmente em causas tributárias. “É uma preocupação muito grande. Os riscos fiscais que decisões judiciais podem provocar nas finanças públicas é um assunto extremamente relevante."
Já o subsecretário do Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Tesouro Nacional, David Rebelo Athayde, afirmou que o Tesouro trabalha junto com a PGFN para regulamentar o mecanismo previsto na PEC dos Precatórios para regulamentar o “encontro de contas”. O dispositivo prevê que um credor de precatório da União possa substituir o valor a receber para comprar imóveis do governo e ações de estatais. Há uma expectativa para a norma ser lançada ainda este mês.
Números
Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que o impacto fiscal das futuras perdas da União no Judiciário, agora estimadas em R$ 1 trilhão, é “alarmante” e pode gerar uma bola de neve nos pagamentos dos precatórios. Além disso, destacam que a União não dá a devida transparência às metodologias de cálculo.
A economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), afirma que os números são “alarmantes”, mas observa que, desta vez, o governo não pode classificá-los como um “meteoro”, já que estão cada vez mais explicitados em documentos oficiais.
Para Damasceno, o aumento exponencial do risco da União na Justiça aumenta a insegurança jurídica e aponta para uma “bola de neve” para o pagamento de despesas no futuro. “O preço de rolagem dos precatórios sobe expressivamente, pois os agentes exigem mais prêmio pelo risco sendo tomado.”
Ela também aponta que, com a cifra, cria-se um “ciclo vicioso difícil de sair sem planejamento, estratégia e seriedade”. “É preciso visão de longo prazo e uma governança equilibrada, algo que está em falta por aqui.”
Na avaliação do pesquisador e advogado tributarista Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, os números de impacto fiscal apurados pela União, principalmente em processos tributários, não são tão transparentes e levantam dúvidas.
Ele destaca, por exemplo, que o impacto de meio trilhão no processo envolvendo o ICMS na base do PIS e da Cofins representa mais que o dobro do que o valor informado no ano anterior, sem explicações sobre a metodologia usada.
"Minha esperança é que a metodologia para essa nova estimativa de impacto seja disponibilizada à sociedade para que, sob escrutínio público, seja possível avaliar a confiabilidade desses números e auxiliar o poder público a garantir a sustentabilidade do orçamento."
O subsecretário Heriberto Nascimento reconhece que o impacto de meio trilhão pode ser menor, já que a Receita Federal tem feito compensações tributárias no âmbito desta tese.
Fonte: Estadão
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